sexta-feira, 22 de junho de 2012

O Menino que queria ser médico


Às vezes um texto se faz de histórias reais, algumas contadas por pessoas, outras vividas, eu tive o privilégio de viver um momento histórico em minha vida, minha história foi numa quinta-feira dia 21 de Junho do ano de 2012, eternos minutos que continuarão a existir ainda por muito e muito tempo - eu tenho certeza.

Conheci um menino, aliás busquei conhecê-lo, foi inusitado, pois foi no sofrimento.

Estava em meu escritório e da janela da minha sala pude avistar ao longe um garoto, um menino de rua, cena rotineira em nosso cotidiano habitual. No entanto, focando melhor a visão percebi que ele chorava e tentava se esconder atrás do seu boné para que ninguém que passasse pela rua pudesse ver o seu choro.

Fui acometido por uma força além de mim. Existem momentos que não temos forças sobre nós mesmos e esse foi o meu momento. Saltei de minha cadeira e fui ao seu encontro para tentar entender sua dor.

Não fui por dó, pena, nem compaixão, a minha vontade era de ajudá-lo somente.

Em nossas amizades, no trabalho ou entre nossos familiares por muitas vezes medimos nossas palavras, em certos momentos pensamos demais para dizer algo, mas com esse garoto ainda desconhecido foi diferente, senti que ele precisava de alguém naquele instante ao seu lado e mesmo sem saber por onde começar a força e o impacto daquela cena era maior do que qualquer força em mim em querer medir palavras. Faz parte da minha personalidade medir palavras. Isso é bom e é ruim. Eu sempre tento ver o lado bom disso.

Tudo bem com você? Pergunto a ele.
 - Meu pai foi ali e não voltou mais – me diz chorando.
- Mas ele disse que volta?
- Volta sim...
- Qual o seu nome?
- Gabriel.
- Poxa, que nome bonito, hein cara? Para de chorar você fica feio chorando - Brinquei com ele.

Então, ele sorri e levanta sua face milimetricamente suja, talvez por estar algum tempo na rua e até pelo seu choro já que ele esfregava suas mãozinhas sujas no rosto, tinha lindos olhos lacrimejados verdes, apesar disso pude ver uma luz imensa em seu semblante. Um brilho inconfundível. Inigualável. Nesse momento seu choro e sua respiração foram se acalmando.

Fiquei olhando sem palavras por alguns instantes tentando entender a vida que ele leva, buscando compreender suas dores, e porque o pai o deixou a sós; quantas vezes havia ficado sozinho no mundo ou quantas outras vezes tinha chorado?

É incrível como ficamos indiferentes ao outro, pessoas passam, olham e em seus “mundos” até julgam outras por estarem nessa situação. Pude ver várias pessoas assim enquanto conversava com ele, o julgaram e acho que também me julgaram por estar ali abaixado conversando com um menino de rua chorando.

Disse que não estudava, estava esperando sua transferência para outra escola e que seu sonho era ser médico – quero “cuidá das pessoa doenti”.  Não sabia ler nem escrever só conseguia fazer o seu nome, o primeiro nome. Perguntei o seu nome completo:
Gabriel Jesus – me disse. Filho de uma Maria. Seria engraçado se não fosse triste; Maria Bárbara de Jesus, nome completo de sua mãe. O nome do seu pai ele só sabia que era Alex.
Fiz algumas pesquisas; Bárbara: vem do grego barbaros que significa "estrangeira", "forasteira"ou"estranha".

Em última análise essa palavra vem do grego barbar, que significa "língua incompreensível". "Bar-bar" era o que os gregos diziam que ouviam quando não entendiam os estrangeiros falando. Era o equivalente ao atual "blá-blá" em português.

A Maria do Gabriel era única, exclusiva, peculiar e especial, pois a vontade de ser médico e cuidar das “pessoa” era justamente para cuidar da pessoa de sua mãe, não sei o que ela tem, mas ele me disse logo após que queria cuidar da saúde dela, não ousei perguntar aprendi com um grande amigo que; “quando mistério é demais não ousamos perguntar”, caso ele me dissesse eu o ouviria, como não disse, não ousei. Nessa mesma pesquisa consultei que “Maria” dentre tantas coisas também significa: “MULHER QUE OCUPA O PRIMEIRO LUGAR”. Na vida de Gabriel sua mãe “Maria” ocupava sempre o primeiro lugar. Compreendi naquele momento que mesmo ali sozinho, Gabriel, sentia mais falta de sua mãe do que da presença do pai.

Interessante o aspecto de que pessoas nessas condições estão sempre sendo discriminadas, marginalizadas, estranhos em um mundo cercado por convívios virtuais, cyber amigos com inimigos reais. Eles se sentem estrangeiros, completamente fora de contexto, a solidão anda lado a lado para quem mora na rua. É só perceber quando somos abordados na rua por um deles pedindo alguma coisa continuamos em nossos destinos e poucas vezes paramos para ouvir os seus “blá-blá-blás”.

Em um mundo com tantas “Marias”, “Josés”, quantos “Alex” e vários “Gabriéis” povoam nossas calçadas a procura de comidas, latas, vidros, e felicidades. Ter a vontade de ser alguém que ajude o próximo é algo inteiramente louvável.

Percebi, então, que Gabriel estava com fome, fui buscar algumas frutas que eu tinha na geladeira do escritório e dei a ele. Rapidamente ele comeu uma banana em menos de 10 segundos, a outra ele guardou, disse que era para a noite. Eu acho que guardou para dividir com a mãe ou o pai, quiçá os irmãos. Percebia-se que ele estava com vontade de comê-la, mas preferiu guardá-la. Eu respeitei, e novamente não ousei perguntar; do porque ele não comeria a outra naquele momento.

Oxalá se algumas pessoas dessem o devido valor a tudo que tem, seriamos muito mais “humanos”, partilharíamos mais, dividiríamos melhor, assim quem sabe poderíamos ser muito mais amáveis.


Um dia, quem sabe, possamos aprender com Antoine de Saint-Exupéry em o Pequeno Príncipe: " Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos". Gabriel, mesmo sem estudos, mesmo ainda sendo apenas uma criança, e mesmo não tendo berço de ouro aprendeu esse simples ensinamento com a vida.

Ainda um pouco tímido começou a brincar com uma massinha azul e fez um bonequinho, depois pegou o outro tanto de massinha e começou a fazer mais um bonequinho, perguntei se era o seu pai ele me disse:
- Não tio, é você aqui comigo – me disse com os olhinhos verdes brilhando.

Momentos assim fazem nossa vida valer a pena, sei que fui ao encontro de um “estranho” para tentar alegrá-lo, quem sabe conversar e saber o porquê do seu choro, e talvez tentar acalmá-lo. Fui ao seu encontro Gabriel porque na verdade era eu quem precisava desse instante com você; precisava me alegrar com sua humildade singular, carecia desse instante com alguém puro e verdadeiro que pudesse me mostrar que não vale a pena reclamar de tão pouco, e passar a bradar com pequenas fagulhas de felicidades, há muito eu necessitava de você, Gabriel, para me colocar novamente nos trilhos da vida, e em poucas palavras descobri através de sua inocência uma coisa que procurei a resposta há muito tempo; você me mostrou o “caminho das pedras”.

Seus desejos? Que se realizem!

Que o seu futebol continue, que suas latinhas sejam “catadas”, que você volte a estudar, que os frascos dos vidros sejam recolhidos, que você seja médico e que acima de tudo que você viva plenamente feliz.

Foram quase 15 minutos de conversa, aprendizagem e humanidade vivida em simplicidade. O pai voltou com um saco de latinhas que ele conseguiu recolher pelo bairro, me despedi de Gabriel com a certeza de que uma parte minha foi curada por um não médico, pelo menos ainda, fui curado através de uma "angelidade" de um menino de 8 anos.

Tua presença em minha vida hoje anunciou um novo mundo, assim como o anjo que anunciou Jesus, você hoje como um filho de Deus, fez-me sentir o Cristo através do próximo e assim tentar exercer cada vez melhor minha fé.

Assim canta o Padre Zezinho:
“Seu nome é Jesus Cristo e está sem casa e dorme pelas beiras das calçadas.
E a gente, quando vê, apressa o passo diz que ele dormiu embriagado.
Entre nós está e não o conhecemos, entre nós está e nós o desprezamos”.


Meu menino anjo, menino desconhecido, menino Gabriel; hoje, você foi o meu menino Jesus.
Texto de Paulo Henrique


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3 comentários:

  1. Paulo que texto mais lindo..
    Como a vida faz conosco né?
    Hoje tive uma experiencia, mais ou menos parecida, más foi com um cachorrinha parida morrendo de fome, ela abanou o rabinho pra mim como se disesse, vc vai me dar comida, eu mais que depressa, peguei o bolo que acabei de comprar e dei pra ela no meio da rua..
    Deus vem a nós atravéz de animais de crianças porque são seres indefesos e puros de coração.
    Prabens pelo seu trabalho...
    Ass: Elianai Felix

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    1. Obrigado pela partilha, que ótimo que esteja aproveitando e gostando dos textos. Sim, Deus vem a nós através dos indefesos e puros de coração. Volte sempre...rsss. Abraços!!!

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